2008

Algumas notas sobre direitos humanos e migrantes

Maritza Natalia Ferretti Cisneros Farena (*)

SUMÁRIO: 1. Migrações e migrantes 2. Migrantes e refugiados - Situação dos direitos humanos dos migrantes 3. A Insuficiente proteção dos direitos dos Migrantes. 4. O Estatuto do Estrangeiro e o Anteprojeto da nova Lei dos Estrangeiros: entre o passado e o futuro da proteção aos migrantes no Brasil. 5. Contexto atual das migrações: terrorismo e tráfico de pessoas. 6. Conclusões.

"A emigração deveria ser considerada um direito natural da pessoa humana, e como tal inalienável, podendo ir buscar o seu bem-estar onde as condições sejam mais favoráveis; liberdade de emigrar e não de fazer emigrar" Scalabrini, 1889.

1. Migrações e migrantes

O tema da migração no contexto dos direitos humanos é de inserção relativamente recente. Somente em 1990 foi assinado o principal instrumento jurídico internacional sobre o tema, a Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas famílias de 1990, como resultado da preocupação com o crescente desrespeito aos direitos dos migrantes. Efetivamente, a despeito dos avanços na implementação dos direitos humanos desde a Segunda Guerra Mundial, a dignidade dos migrantes não é respeitada. Testemunhamos violências, abusos e hostilidades contra os migrantes no mundo inteiro. Em que pese os direitos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em países pobres, emergentes e desenvolvidos, estes os grandes receptores do fluxo migratório, o respeito aos direitos dos migrantes depende em grande medida das políticas adotadas pelos Estados, e de seu grau de implementação.

Estatísticas do início deste século refletem a dimensão de um drama humano que se desenrola em praticamente todos os países do mundo: há 191 milhões de migrantes internacionais e esse número tende a crescer (1). Os migrantes se deslocam de um território a outro, principalmente em busca de melhores condições de vida. Mas, devem considerar-se também fatores macro que encorajam, induzem ou às vezes compelem a migrar. Muitos migram hoje como resposta aos fatores que os forçam a mover-se para sobreviver e oferecer segurança, dignidade e bem-estar a si e suas famílias (2).

Diversas são as causas que provocam o aumento das migrações, sendo que tanto fatores positivos como negativos levam a migrar. Uma das grandes causas das migrações diz respeito às situações de subdesenvolvimento, provocadoras de fluxos significativos de migrantes (sócio-econômicos). A Organização Internacional para as Migrações (OIM) observa que não é a grande diferença entre os Estados o que mais motiva a migração, mas sim a necessidade que as pessoas sentem de mover-se quando sua situação e a de suas famílias se torna intolerável, sem perspectivas de sobrevivência.

A percepção do nível econômico e de quais sejam as condições toleráveis varia muito de país para país, cultura para cultura e de povo para povo, mas sem dúvida para sobreviver todos precisam de um padrão mínimo de dignidade humana, que permita ao homem preencher suas necessidades vitais.  E é principalmente esta ausência de dignidade humana a grande causa do deslocamento nos dias actuais, de maior visibilidade das desigualdades internacionais.

2. Migrantes e refugiados - Situação dos direitos humanos dos migrantes

A vulnerabilidade dos migrantes determina a necessidade de proteção e assistência às pessoas que migram como resultado direto desse complexo de causas. São também fatores que requerem ação e cooperação inter-estatal e das Instituições Internacionais para solucioná-los. Porém não há para estes migrantes, proteção institucionalizada como aquela garantida aos refugiados (3). Não existe ainda um instrumento hábil de proteção para as pessoas que deixam suas pátrias como conseqüência da violação dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, em razão da qual a sobrevivência no país de origem em condições minimamente aceitáveis é impossível ou extremamente sacrificada.

O termo refugiado poderia ser estendido a esses "migrantes (forçados) sócio-econômicos", que também fogem da violação de seus direitos humanos. Mas, mesmo com a definição ampliada de "Refugiado" da Declaração de Cartagena (1984) - segundo a qual o termo se aplica também a "todas as pessoas que fogem dos seus países porque sua vida, segurança ou liberdade encontra-se ameaçada pela violência generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação massiva dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham afetado gravemente a ordem pública", os migrantes que fogem à violação de seus direitos econômicos e sociais não são considerados refugiados e não há no momento perspectiva de mudança nessa situação.

Na verdade, esse não reconhecimento do migrante "sócio-econômico" é conseqüência da tendência ao não reconhecimento dos direitos econômicos e sociais como verdadeiros direitos humanos. Donde conclui-se, embora pareça estranho, que para efeitos de refúgio, a violação massiva dos direitos humanos não inclui direitos econômicos e sociais, somente direitos civis e os políticos.

Três por cento da população mundial reside fora de seu país de origem ou de nacionalidade. Sessenta por cento dos migrantes do mundo vivem em países mais desenvolvidos (aproximadamente 1,4 milhão de pessoas por ano dirigem-se para os países desenvolvidos, segundo relatório da OIT) (4). Desses, 56 milhões estão na Europa. Em alguns países europeus, como Luxemburgo e Suíça, eles chegam a representar 25% da força de trabalho. Isso, no entanto, não se reflete na garantia de direitos, concedidos normalmente aos nacionais dos países receptores.

Os brasileiros e mexicanos que atravessam a fronteira americana em busca de trabalho, os bolivianos que emigram para o Brasil, os guatemaltecos para o México, os nicaragüenses a Costa Rica, os filipinos para Hong Kong, os tailandeses para o Japão, os egípcios para Bahrein, os marroquinos para Espanha e França, os moçambicanos para África do Sul... são todos migrantes internacionais, seja voluntários, ou forçados por circunstâncias alheias a sua vontade, seja procurando por uma vida melhor ou simplesmente uma vida diferente, seja com residência legalmente permitida ou vivendo uma vida clandestina às margens da sociedade. Todos, "independentemente de sua nacionalidade, sua raça, credo ou cor, ou situação legal, partilham com os nacionais do país de destino tanto uma humanidade comum quanto o direito a esperar um tratamento decente e humano". (5)

Verifica-se, por outro lado, que os direitos dos migrantes, além de seu tradicional déficit de efetividade, encontram-se fragilizados no contexto atual de globalização econômica e de agressiva campanha anti-terrorista pós "11 de setembro", que estimulam a tendência de os Estados colocarem seus interesses próprios acima de qualquer outra consideração humanitária.

A maioria dos problemas se refere aos indocumentados, cuja existência nem é reconhecida pelos Estados. A condição de insegurança dos migrantes os força a viverem ao desabrigo ou mudando de lugar em sub-moradias. Com freqüência são submetidos a identificação abusiva, a invasão do lar ou local de trabalho e a interrogatórios nos quais podem sofrer violências físicas e psicológicas, preconceito e tratamento desumano ou degradante. Seus encontros com a polícia não são relatados porque não têm parentes para contestar sua prisão ou mesmo seu desaparecimento. Mesmo quando seus direitos mais elementares são violados, não procuram remédios judiciais porque temem a deportação. Quando encontram trabalho, são empregados na economia informal, onde a exploração é certa diante do medo de serem denunciados às autoridades e podem ser submetidos a condições semelhantes à escravidão. Não há registros oficiais de seus empregos dificultando-se o conhecimento da realidade. E, sem documentação, freqüentemente são privados de assistência social e de serviços básicos, como os de saúde ou educação.

Por outro lado, mesmo nas condições difíceis em que ocorre, a migração apresenta um importante fator positivo para os países de origem. Para estes, a importância internacional do fenômeno migratório encontra sua demonstração mais evidente, em termos econômicos, na transferência de divisas.

A Organização das Nações Unidas, dentre outros organismos internacionais, têm procurado enfatizar esse aspecto positivo das migrações, para os países doadores e ainda pelo aporte de criatividade e aumento populacional (para países com população em declínio) nos países receptores. Nesse sentido, Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas, declarou que: "A migração internacional, apoiada em políticas corretas, pode ser altamente benéfica para o desenvolvimento tanto dos países de onde [os migrantes] saem quanto daqueles aonde chegam". (6)

Aliás, a imigração de fato resulta em muitas vantagens, que não costumam ter divulgação, para os países receptores, especialmente econômicas. Obviamente, os imigrantes não podem entrar a outro país de maneira legal ou ilegal sem certo grau de conivência por parte dos nacionais, conseqüentemente porque desempenham alguma função para eles: dispõem-se a aceitar empregos que os nacionais às vezes recusam, mas são necessários para o funcionamento da economia. E não se trata exclusivamente de empregos desagradáveis que requerem pouca qualificação, mas de trabalho profissional também.

Instaura-se assim um jogo duplo que parece consistir a tônica da mobilidade humana nos dias de hoje: o migrante ao mesmo tempo em que é aceito, é também rejeitado. Por um lado, abre-se a porta dos fundos para a entrada de trabalhadores clandestinos, pois há necessidade de mão de obra fácil e barata para os serviços mais sujos e pesados nas economias desenvolvidas (na condição de irregular, o migrante acaba por submeter-se a condições de trabalho extremamente precárias e a salários irrisórios). Por outro lado, fecha-se a porta da frente, negando-se aos imigrantes o status de trabalhadores legais e, conseqüentemente, os direitos de cidadania (7).

O "Relatório sobre Migração Internacional e Desenvolvimento" divulgado pela ONU em junho de 2006 destaca que "a experiência da migração evoluiu de modo não muito positivo". "Migrantes de ambos os sexos são cada vez mais expostos à exploração e abuso por contrabandistas e traficantes, às vezes perdendo suas vidas". O Relatório também cita discriminação, xenofobia e racismo como outros problemas enfrentados por imigrantes "como resultado do aumento de tensões religiosas e culturais em algumas sociedades" (8). Nestes últimos anos, a intensa atividade legislativa dos países europeus teve como primeiro objetivo restringir ainda mais as possibilidades de entrada e permanência dos originários de países de fora da UE. Por sua vez, as severas restrições impostas à imigração legal de mão-de-obra por parte dos países industrializados aumentaram as pressões sobre o sistema de proteção aos refugiados. Um número crescente de imigrantes, por não encontrar outro meio, tenta valer-se do refúgio político como uma forma para inserir-se no mercado de trabalho de um país estrangeiro. A reação local a este fenômeno tem provocado, por um lado, uma forte retração quanto à assistência oficial dispensada na acolhida de refugiados e, por outro, um aumento das atitudes marcadas pela xenofobia e racismo por parte dos nacionais.

Em matéria de imigração e refúgio, como bem critica a Anistia Internacional, a política comum da União Européia está sendo seqüestrada por uma mentalidade que se apóia cada vez mais na idéia de "Europa como uma fortaleza". (9) Nos EUA a noção de "refugiados econômicos" vem servindo para legitimar uma suspeita generalizada com respeito àqueles que pedem refúgio. Aliás, o direito de refúgio político foi objeto prioritário de mudanças legislativas restritivas, principalmente na França, Alemanha e Holanda. As barreiras físicas levantadas entre as fronteiras atravessadas pelos migrantes (muros, sensores, câmeras) simbolizam esta nova realidade oposta à circulação das pessoas, que corre paralela aos crescentes bloqueios administrativos e legais.

O tema da imigração tem figurado nas plataformas eleitorais, numa perspectiva que é ao mesmo tempo de restrição e de segurança, e possui como eixos comuns o reforço dos controles nas fronteiras nacionais, a aceleração da cooperação europeia para a harmonização dos critérios de admissão de refugiados e imigrantes. O discurso envolve também a luta contra as causas da emigração nos países de origem, sempre dependente dos reduzidos recursos para cooperação internacional. Acrescente-se o notório fato de que a grande maioria da população, presa ao medo e preconceitos, apoia a política restritiva de imigração dos governos. Dessa forma, "A questão da imigração politiza-se ao invés de humanizar-se". (10) O terrorismo, então, surge como o perfeito pretexto para restrições mais rigorosas, assim escondendo-se sentimentos racistas e xenófobos que permeiam as decisões legislativas. Sob o pretexto da segurança nacional, facilita-se o exercício da discriminação e negação dos direitos humanos aos migrantes.

Ao lado das medidas migratórias cada vez mais restritivas, cresce o número dos "ilegais" e dos traficantes de mão-de-obra estrangeira, que com objectivos de lucro, incrementam os ingressos - e mortes - de migrantes, ampliando os custos com controle e expulsão nos países de destino e alimentando ao mesmo tempo, no mundo industrializado, o medo dos fluxos incontrolados. Em todos os países de imigração verifica-se que longe de refrear, as restrições migratórias excessivas aumentam o número de clandestinos e entregam às mãos dos traficantes, organizados em redes internacionais, pessoas que poderiam entrar e permanecer legalmente. Além disso, segundo o ACNUR existe uma estreita relação entre refugiados e ilegais, sendo que as pessoas, obrigadas a perambular em busca de sobrevivência, solicitam a condição de refugiado em outros países e quando esse reconhecimento é negado, ou ainda é dificultado o acesso ao documento, são forçadas a optar pela ilegalidade ou clandestinidade nos países "receptores".

O fenômeno da ilegalidade é tão preocupante que em nível mundial constata-se que o aumento da presença de "ilegais" e clandestinos é hoje considerado um fenômeno estrutural; parece que existe pelo menos a mesma quantidade de migrantes internacionais ilegais quanto migrantes oficialmente reconhecidos (11). Os migrantes exibem a contradição mais flagrante de nossa sociedade globalizada: ao mesmo tempo que o mercado exige e compra mão de obra disponível e barata, impede aos trabalhadores e suas famílias o acesso aos direitos fundamentais de todo cidadão. Paradoxalmente, o fruto do trabalho é cidadão do mundo, mas o trabalhador não. Ou seja, as coisas circulam livremente travestidas da qualidade de mercadoria, ao passo que as pessoas são reprimidas se ousarem ultrapassar as fronteiras estabelecidas. Isso explica a progressiva criminalização dos migrantes, particularmente na atual onda de combate ao terrorismo e ao narcotráfico. O processo de globalização, sob este aspecto, resulta assimétrico, excludente e paradoxal (12). A concentração de riqueza e de renda nos países centrais concentra igualmente as possibilidades de trabalho - e estas atraem os fluxos migratórios, pois, a raiz mais profunda de seu incremento são as desigualdades entre países ricos e pobres.

Com bastante realismo, Danilo Zolo afirma que a resposta dos Estados diante do fenômeno migratório, que se concretiza em expulsões e perseguições, ou através da negação da qualidade de sujeitos aos imigrantes, está escrevendo e parece destinada a escrever nas próximas décadas as páginas mais fúnebres da história civil e política dos países ocidentais. (13)

A peculiar fragilidade da condição dos migrantes faz com que o direito internacional dos direitos humanos assuma quanto a estes uma posição de especial relevo. Muitas vezes, os migrantes que entram irregularmente num país, não podem contar com nenhuma norma específica concretizadora de sua proteção, ou, quando existe esta, os direitos que lhes são teoricamente aplicáveis não se tornam efetivos na prática, por falta de acesso à justiça, decorrente da própria condição de "ilegalidade" em que se encontram. O grande desafio, assim, é tornar realidade os direitos humanos de que os migrantes são titulares.

Há fundamentos jurídicos consistentes para combater a dicotomia de tratamento, e defender a mesma proteção em nível internacional, às vítimas de qualquer violação de seus direitos, sejam eles políticos ou econômicos e sociais. A interrelação existente entre eles resulta num elemento comum: a proteção da pessoa e de seus direitos fundamentais". (14)

Não se cuida aqui, porém, de ampliar a noção de refugiado para nela inserir o migrante, cujo deslocamento é determinado por condições de sobrevivência extremamente adversas em seu lugar de origem, quando o próprio regime de proteção aos refugiados encontra-se em crise, a sua extensão resulta utópica. A quantos solicitantes, por questões políticas, falta de estrutura e recursos, ou temores infundados de massificação, nega-se a condição de refugiado, transformando-os em migrantes ilegais?. Qual é a resposta humanitária para essas pessoas?

Se o caminho não é a mudança de conceitos tradicionais e tratados, a inserção do migrante nos sistemas de proteção dos direitos humanos deve ser repensada de forma abrangente, como uma necessidade de superação de idéias vigentes - e seus reflexos nas políticas públicas - para uma concepção mais próxima da "cidadania mundial de direitos humanos", em que o respeito à dignidade da pessoa humana não tenha como base seu status jurídico de nacionalidade ou de "permanência legal".

3. A insuficiente proteção dos Direitos humanos dos migrantes

Os direitos humanos, tal como reafirmados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e em todo seu desenvolvimento posterior, em especial, a partir dos anos que se seguiram ao término da Segunda Guerra Mundial, não distinguem, quanto a seu escopo de proteção, entre nacionais e estrangeiros. Na sua raiz, fortemente ancorada em princípios e normas internacionais, os direitos humanos têm por finalidade proteger a pessoa humana na sua realidade individual, na sua vivência coletiva. Para realizar tal desiderato, os responsáveis pela aplicação das normas de proteção aos direitos humanos não estão autorizados a distinguir entre nacionais ou de estrangeiros, mas, bem ao contrário, a todos devem ser aplicadas as normas protetoras, considerando o primado de que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos' (Art. 1º. da Declaração Universal de DH da ONU), e o pressuposto de que todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas na Declaração, sem distinção de qualquer espécie. (15)A partir da criação da Organização Internacional do Trabalho - OIT (1919), um novo enfoque foi dado pelo direito internacional à proteção do indivíduo, estabelecendo-se um rol de direitos de todos os trabalhadores, independente da nacionalidade. Com isso o direito internacional enfatiza o indivíduo como seu titular e destinatário. Desde a Segunda Guerra mundial, as normas de direito internacional assimilaram a proteção de direitos do homem como princípio geral da ordem internacional e verdadeiro costume internacional. A proteção internacional dos direitos humanos protege o indivíduo independente de sua nacionalidade ou país de sua origem. Mas, a ratificação pelos Estados de Tratados de direitos humanos não representou avanço significativo na concretização dos direitos dos migrantes. Foi preciso aguardar o surgimento de normas específicas a tratar das garantias devidas aos migrantes.

A Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas famílias de 1990 reconhece direitos humanos fundamentais a todos os trabalhadores migrantes, documentados ou indocumentados, inspira-se nas convenções anteriores da OIT, e em muitos casos as supera, estendendo aos trabalhadores migrantes que entram ou residem ilegalmente no país de emprego (e aos membros de suas famílias) alguns direitos que antes limitavam-se a pessoas que praticavam uma migração regular. Na Parte III, são enumerados de forma expressa direitos humanos já consagrados em instrumentos internacionais de proteção geral, mas relaciona-os diretamente com a situação dos trabalhadores migrantes. É um verdadeiro rol de direitos bem definidos (do Art. 8o ao Art. 35º), correspondendo em boa parte aos direitos normalmente garantidos aos nacionais e refletindo as tendências migratórias atuais, na perspectiva dos Estados de origem e dos Estados de acolhimento de trabalhadores migrantes e das suas famílias (Liberdade de saída de qualquer Estado e o direito a regressar ao seu Estado de origem; direito à vida e à proteção legal desse direito; proibição da tortura e penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; proibição da escravatura ou servidão, de trabalho forçado ou obrigatório; direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; direito à liberdade de expressão; direito à vida privada; direito de propriedade; direito à liberdade e à segurança da sua pessoa; direito ao devido processo legal e às garantias processuais e mesmos direitos que os cidadãos nacionais do Estado no caso de detenção ou prisão e perante os tribunais; direitos específicos decorrentes de sua condição de migrante; iguais direitos que os nacionais do Estado de emprego em matéria de retribuição e outras condições de trabalho, como: trabalho suplementar, horário de trabalho, descanso semanal, férias remuneradas, segurança, saúde, cessação da relação de trabalho; direito de receber os cuidados médicos urgentes que sejam necessários para preservar a sua vida ou evitar danos irreparáveis à sua saúde, em pé de igualdade com os nacionais do Estado; direito fundamental de acesso à educação em condições de igualdade de tratamento com os nacionais do Estado para os filhos dos trabalhadores migrantes; garantia ao respeito da identidade cultural dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias;etc).

A Convenção impõe aos Estados a adoção de todas as medidas adequadas a garantir que os trabalhadores migrantes não sejam privados desses direitos em razão da irregularidade da sua situação em matéria de permanência ou de emprego, prevendo que os empregadores não ficam exonerados do cumprimento de obrigações legais ou contratuais, nem as suas obrigações serão de modo algum limitadas por força de tal irregularidade. Trata também do direito à preparação do migrante para a migração, abrangendo uma informação ampla, o que é importante na prevenção e redução dos casos de exploração e tráfico ilícito de mão-de-obra. Também estabelece que os migrantes não podem ser objeto de medidas de expulsão coletiva. Ressalvando que a expulsão do Estado em que o migrante encontra-se empregado, em si, não prejudica os direitos adquiridos, em conformidade com a lei desse Estado, assegura ao trabalhador migrante ou membro da sua família, nomeadamente, o direito de receber os salários e outras prestações que lhe sejam devidos. Procura desempenhar um papel na prevenção e eliminação da exploração de todos os migrantes, inclusive acabar com os movimentos clandestinos e situações de indocumentação ou irregularidade, estabelecendo a repressão de determinadas condutas nas quais os migrantes podem ver-se envolvidos, como a luta contra as redes que traficam com pessoas. Há o reconhecimento de direitos adicionais para os migrantes documentados e suas famílias, principalmente igualdade de tratamento com os nacionais dos Estados de emprego, no conjunto de áreas jurídica, política, econômica, social e cultural. Entre os aspectos mais relevantes que contempla a Convenção, destacam-se as cláusulas nas quais se dispõe que "os trabalhadores migrantes gozarão de um tratamento que não seja menos favorável que aquele que recebem os nacionais do Estado de emprego" no que toca à remuneração, condições de trabalho e horário laboral; além disso, assinala que os trabalhadores migrantes terão direitos a afiliar-se e participar nas atividades de sindicatos e outras associações "para proteger seus interesses econômicos, sociais, culturais e de outra índole".

Assim, a Convenção estabelece um mínimo de normas de proteção para os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias universalmente aceitas. Serve como instrumento para encorajar aqueles Estados que não têm normas nacionais para harmonizar sua legislação com os princípios internacionais reconhecidos. Embora especificamente reconheça os trabalhadores migrantes e membros de suas famílias, a implementação de suas disposições fornece uma medida significativa de proteção para os direitos básicos de todos os migrantes em situações vulneráveis, principalmente aqueles que se encontram em situação irregular. Os Estados Partes na Convenção comprometem-se a aplicar suas disposições adotando as medidas necessárias, assim como a garantir que os trabalhadores migrantes cujos direitos tenham sido violados possam recorrer judicialmente.

Contudo, a realidade é que os direitos humanos dos migrantes dependem das políticas migratórias nacionais, pois elas determinam os direitos que os migrantes gozam na prática. Não raro a soberania é invocada para justificar atropelos de ordem legislativa ou administrativa aos direitos dos migrantes; mas, não deve haver contradição entre soberania e direitos humanos. Pelo contrário, a invocação da soberania do Estado só se legitima na medida em que baseada num Estado de direito, fundado no respeito aos direitos humanos das minorias. No tocante aos estrangeiros, também a soberania deve se submeter a uma regra de ponderação, ou seja, podemos reconhecer que cada Estado tem o direito a ter leis migratórias, mas desde que respeitados os direitos humanos dos migrantes e os instrumentos internacionais respectivos, isto é, até o limite dos compromissos internacionais pertinentes. E o direito Internacional determina que os direitos humanos estão acima dos interesses nacionais e da Soberania Estatal, e a proteção deles deveria ser mais importante que as fronteiras.

A propósito, a Carta da Organização das Nações Unidas - ONU é clara no seu Art. 2o(7): "O respeito aos direitos humanos não é assunto de interesse exclusivamente interno de um Estado, mas sim de toda a comunidade mundial". A não-ingerência em assuntos internos não pode ser interpretada como limitação aos mecanismos de monitoramento internacional em sede de direitos humanos. Estes direitos, pela universalidade e indivisibilidade que os caracterizam dizem respeito a todos os Estados da Comunidade Internacional.

O grande desafio atualmente são os migrantes contemporâneos, originários dos países menos desenvolvidos. Assim, o desenvolvimento da normativa dos direitos humanos dos migrantes deve ocorrer a partir da preocupação com o tratamento dispensado pelos países do primeiro mundo aos migrantes que os buscam e, paralelamente, pela necessidade que se impõe de definição de regras de tratamento dos migrantes trabalhadores no contexto dos blocos de integração ou da globalização, que são a marca de nosso século. Este ramo do direito internacional tem como objetivo impor regras de conduta e limites aos países de imigração, bem como estabelecer os direitos iguais aos migrantes em todas partes do Mundo.

Na verdade, refletir sobre os direitos humanos dos migrantes é refletir sobre a equiparação dos direitos fundamentais destes com os dos nacionais do país de acolhida. Ademais, a indivisibilidade dos direitos humanos revela-se de forma cristalina na realidade dos migrantes irregulares, pois não se pode falar, quanto a eles, em direitos de liberdade, oponíveis ao Estado (igualdade, liberdade de expressão ou associação, acesso ao Poder Judiciário), se não dispõem da documentação exigida para seu exercício, e se o mínimo ato que os tire da invisibilidade em que permanecem pode significar a deportação.

Observe-se que os migrantes no mundo inteiro, salvo algumas notáveis exceções, encontram-se totalmente privados dos direitos políticos (votar e ser votado, participar de plebiscitos ou referendos, etc.). De um lado, a cidadania desejada lhes é inacessível, mesmo quando se lhes admite a permanência; de outro, são privados de qualquer possibilidade de participação na vida política na comunidade onde teoricamente se quer sua integração, mesmo que em nível local. No Brasil o estrangeiro, mesmo com residência permanente, tem seus direitos políticos negados pela Constituição (16).

No tocante aos direitos econômicos e sociais, muitos deles, embora consagrados nas Constituições, são embaraçados por exigências descabidas. Para os migrantes, o direito social fundamental é o direito ao trabalho, e este é obstruído pela falta de documentação, ou impedido pelo preconceito. Em termos trabalhistas, os direitos mais importantes dizem respeito ao acesso, às condições de trabalho, ao vínculo legal e ao exercício de atividades sindicais. Paira, mesmo sobre o migrante legalizado, a ameaça de deportação, sempre que seu trabalho se tornar inconveniente aos interesses nacionais. O direito à igualdade de salários e ao vínculo empregatício legal está intimamente ligado ao problema da "ilegalidade migratória". Nessa condição, o migrante é levado a aceitar empregos irregulares, salários aviltantes e a tolerar condições desumanas de trabalho, transformando-se, paradoxalmente, à vista dos propósitos das legislações anti-migratórias, numa concorrência desleal à mão de obra nativa. Esta ilegalidade também atua como fator de limitação para o exercício do direito do migrante à utilização de serviços públicos, tais como os da saúde, moradia e educação, já que sua situação de "indocumentado" o impede.

A permanência legal no país é, assim, elemento determinante dos direitos econômicos e sociais que o migrante vai usufruir; a condição de clandestino o deixa ao completo desamparo, reduzido não raro a uma condição similar a do escravo. Na verdade, no cerne do dilema em torno do reconhecimento dos direitos humanos dos migrantes em matéria trabalhista está a sua vulnerabilidade para a exploração, especialmente nos setores da atividade econômica marginal, inadequadamente regulada ou de ilegalidade tolerada, como a prostituição. Isto é bastante conveniente para muitas economias, e esse pode ser considerado como um factor bastante importante e determinante da resistência de muitos Estados em reconhecer todos esses direitos aos migrantes. Dada a falta de reconhecimento legal ou o status precário nos países de destino, o emprego dos migrantes é feito sem pagamento de benefícios, impostos e outros custos que representam economia às empresas.

Por outro lado, a categorização generalizada de pessoas como "ilegais" é ao mesmo tempo uma clara manifestação da violação dos direitos humanos dos migrantes. Por via de uma palavra, esta categorização é capaz de deixar tais seres humanos simplesmente fora da aplicabilidade, do escopo e da proteção da lei, contrariamente aos Princípios da universalidade, indivisibilidade e inalienabilidade da proteção dos direitos humanos. Além disso, tal prática, que muitas vezes se traduz em abusos convenientes para a política migratória estatal, viola diretamente dois dos Princípios Fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos: o direito de todo ser humano ser reconhecido como tal perante a lei, contido no Art. 6o e o direito de toda pessoa ao devido processo legal, contido no Art. 7º (17).

A tendência a associar migração com delinqüência é muito preocupante. A perspectiva sensacionalista adotada nos meios de comunicação não colabora com uma correta interpretação do fenômeno. Muitas vezes informam-se dados distorcidos sobre o número de migrantes detidos, omitindo o fato de que a maioria dessas detenções deve-se à situação administrativa irregular do migrante e não por crimes (18).

O Relator da Conferência Internacional sobre Migração e Crime, levada a cabo em Itália, em 1996, observou com razão, que "o termo migrante "ilegal" (que devemos evitar) "implica uma condição de criminalidade ipso facto antes de qualquer determinação judicial do status.  Mais ainda, implica que um migrante 'ilegal' é um criminoso" (19). No Brasil, de forma insistente, inconseqüente e estigmatizante, usa-se o termo "ilegal", sem medir as desastrosas conseqüências de tal discriminação.

Observa-se, assim, que domina entre os Estados a contextualização da migração dentro de um sistema de combate ao crime organizado e à criminalidade, subordinando a proteção dos direitos humanos ao controle dos movimentos nas fronteiras e medidas contra o crime. A Anistia Internacional tem denunciado a denominada "Guerra contra a imigração ilegal", que põe em risco os direitos humanos (20).

No contexto atual, o tráfico de migrantes tem emergido como um tema global das migrações. O crescimento do tráfico de pessoas a cargo de grupos criminosos organizados tem significado o aumento do abuso contra os migrantes. Configura-se, ademais, como um negócio sumamente lucrativo (21), que os Estados tentam deter mediante instrumentos multilaterais ou bilaterais. Segundo o Escritório da ONU para as Drogas e o Crime (UNODOC), até 900 mil pessoas são anualmente vítimas de tráfico humano internacional (22).

Mesmo que em alguns Estados, tenham sido introduzidas penas mais severas para os intermediários que recrutam mão-de-obra ilegal e para os empregadores que a aceitam, não será possível acabar com o tráfico clandestino de mão-de-obra estrangeira, sem atacar as causas remotas da migração de trabalhadores, acima de tudo, a miséria, o subdesenvolvimento econômico e o desemprego, através de medidas que promovam o desenvolvimento econômico e que reduzam o fosso existente entre os países industrializados e as regiões menos desenvolvidas.

As medidas de combate ao tráfico de pessoas não vem sendo acompanhadas, como seria de se esperar, de uma maior proteção às vítimas do tráfico, mas sim de uma crescente criminalização destas, o que efetivamente não contribui para o desmantelamento das organizações criminosas. As vítimas do tráfico são sobretudo mulheres obrigadas a se prostituir em outros países e crianças que são levadas, contra a sua vontade, para trabalhar em outros lugares.

No plano nacional, embora o Brasil inescusavelmente não tenha aderido ainda a algumas importantes Convenções (23), a Constituição reconhece aos estrangeiros os mesmos direitos fundamentais assegurados aos brasileiros, ressalvados os exclusivos dos brasileiros natos, como os direitos de cidadania. Aos migrantes estendem-se também os direitos constantes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos, ratificadas pelo Brasil, bem como os contidos na legislação infraconstitucional sobre o tema.

Em tese avançamos muito, com a consagração dos direitos pela Constituição, mas a realidade é distinta e muitas violações são cometidas. Sem embargo de todas as garantias previstas, os direitos humanos dos migrantes não são respeitados. Forçoso é constatar que o migrante foi e continua sendo objeto de condutas que violam seus direitos fundamentais. A raiz desta situação pode ser percebida através de uma breve reflexão sobre a política migratória nacional, bem como da análise da legislação em vigor no que concerne ao estrangeiro.

Presentemente, nosso país de forma injustificada segue a tendência restricionista dos países desenvolvidos, mesmo que atualmente sejamos um país de emigração mais do que de imigração. O tratamento que damos ao imigrante aqui não contribui para a humanização do tratamento que se dá no exterior ao emigrante brasileiro. O Brasil mantém uma legislação que o transforma num país de difícil acesso, colaborando para o aumento da imigração clandestina.

No país, há na faixa de um milhão a um milhão e meio de imigrantes, um milhão regularizados, segundo dados da Polícia Federal-PF, e alguns 200 mil ou mais irregulares. (24) Já brasileiros residindo no exterior, segundo o Ministério das Relações Exteriores, eram mais de 2 milhões em 2003, ou seja, mais de 1% da população nacional. Hoje as estimativas apontam cerca de três milhões de brasileiros fora do país.

4. O Estatuto do Estrangeiro e o Anteprojeto da nova Lei dos Estrangeiros: entre o passado e o futuro da proteção aos migrantes no Brasil

Muitos dos nossos migrantes vieram como escravos a quem não se reconheciam direitos; parece que ainda permanecem os vícios históricos, derivados das migrações forçadas e semi-forçadas, pois, desafortunadamente, ainda hoje, alguns consideram os estrangeiros como uma categoria desprovida de direitos.

O Estatuto do Estrangeiro - Lei 6.815/80 - insere-se em um contexto mundial de amplas restrições à imigração. Na década de 70, o regime militar encarou o migrante como um potencial subversivo, tendência corporificada no retrógrado Estatuto do Estrangeiro (25), diploma inspirado nos conceitos de "Segurança Nacional", tão caros aos mandatários da época da ditadura. O Estatuto constitui um instrumento legal divorciado da Carta de 88 e dos Direitos Fundamentais ali garantidos também aos estrangeiros migrantes. Surpreende que ainda esteja em vigor, já que representa a negação de toda a evolução internacional na matéria, contradizendo inclusive os objetivos da integração latino-americana, revigorada com a implantação do Mercosul em 1991.

Há um nítido contraste substancial e ideológico entre os textos do Estatuto do Estrangeiro e da Constituição, naquele colocando-se em primeiro plano a Segurança Nacional, encarado o imigrante como uma ameaça à coletividade, e nesta consagrando-se a dignidade da pessoa humana e seus direitos fundamentais, assegurando desde o seu Preâmbulo "o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos". Contudo o Estatuto do Estrangeiro segue incólume, sendo rigorosamente aplicado.

Para complicar a situação, o país não possui uma política migratória consistente, que tenha um fim específico. Todas as ações implementadas, ou as anistias aplicadas foram feitas de forma casuística, e executadas de forma muito mais desregrada, ao sabor do entendimento da autoridade policial, que às vezes variava de um Estado da Federação para outro. O Brasil jamais definiu qual o tratamento que deseja dar à questão migratória, para o que contribui também a total falta de conhecimento e interesse do público e da política (partidária) em geral a respeito do assunto. Ora os estrangeiros são tidos como bem recebidos, ora malvistos como contrabandistas ou traficantes, dependendo dos humores e circunstâncias do caso.

Na prática, a política migratória resume-se na avaliação, feita pelo agente de imigração (Polícia Federal) na fronteira ou nos pontos de entrada, de quem tem condições de entrar no território nacional, concedendo ou negando o visto de entrada. E essa avaliação pessoal da autoridade, tal como ocorre em outros países, é altamente subjetiva, baseada muitas vezes em critérios preconceituosos. Oriundos de certas nacionalidades, como Bolívia, Nigéria, etc. são estigmatizados como trabalhadores irregulares ou traficantes. Estrangeiros de países europeus ou americanos em geral são tidos como turistas, e não enfrentam problemas.

Para fazer valer seus direitos, os migrantes contam apenas com a boa vontade de ONGs e advogados militantes de direitos humanos. Também o Ministério Público Federal, através das Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão, tem se preocupado com essas situações, intervindo em muitos casos para combater ilegalidades no tratamento dos estrangeiros no país. Inúmeros casos de violação aos direitos humanos dos imigrantes, alguns decorrentes de disposições da própria Lei, têm sido levados ao Judiciário e são objeto de decisões favoráveis aos migrantes; casos como de deportação (medida estabelecida para punir a permanência irregular no país, consistente num procedimento sumário sem acesso ao judiciário, levado a cabo pela própria Polícia Federal), (26) de negação arbitrária do direito de permanência no Brasil (embora, não havendo impedimento legal (27), a concessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficam sempre condicionadas aos "interesses nacionais", definidos arbitrariamente pela autoridade, sem que jamais sejam levados em linha de conta os direitos humanos dos migrantes); de arbitrária expulsão de crianças migrantes das escolas, de discriminação na aplicação da Lei Penal, de inviabilização do acesso de estrangeiros aos cargos públicos, de exploração laboral dos imigrantes, e de desrespeito dos direitos pela própria Administração, ineficiente no tratamento da imigração.

Lamentavelmente, a despeito da luta antiga, ainda não foi modificado o Estatuto do Estrangeiro. Mas, a insuficiência da proteção legislativa aos direitos dos migrantes não deve servir de obstáculo ao reconhecimento desses direitos. A proteção outorgada pelo direito constitucional e pelo direito internacional impõe que as leis existentes sejam analisadas sob nova perspectiva, tendo sempre em mira o princípio da máxima efetividade dos direitos humanos.

É preciso que as autoridades tenham consciência de que o Estatuto do Estrangeiro, em muitos pontos, encontra-se ultrapassado pela Constituição, em termos de direitos humanos fundamentais e direitos sociais. Enquanto não sobrevém a desejada mudança legislativa, é preciso que estejamos atentos entre outras às questões que envolvem exploração de mão-de-obra indocumentada.

Preocupa-nos o grande número de migrantes em situação irregular no Brasil. Alguns migrantes são enganados pelas redes de tráfico, enquanto outros são incentivados a tentar a sorte por familiares e amigos, que já vivem e trabalham de forma regular ou irregular no Brasil. Concorre para isto o excesso de burocracia e restrições migratórias, que determinam uma entrada clandestina, da qual se aproveitam as redes de tráfico, o que aliado à carência de direitos fundamentais para os indocumentados, resulta na exploração da mão de obra migratória irregular. Na verdade, enquanto os trabalhadores migrantes irregulares não tiverem garantidos seus direitos fundamentais e seus direitos trabalhistas, continuará se expandindo o ciclo vicioso do tráfico e exploração. A pobreza generalizada, o desemprego e o subemprego oferecem o caldo de cultura propício ao recrutamento e transporte clandestino de migrantes estrangeiros e seu alistamento em oficinas de trabalho escravo, com o conseqüente desrespeito aos direitos trabalhistas. Destituído de estatuto jurídico ou social, o trabalhador migrante "ilegal" é um alvo natural de exploração. Fica à mercê do seu empregador e pode ver-se obrigado a aceitar todo tipo de trabalho e de vida. No pior dos casos, a situação desses trabalhadores assemelha-se à escravatura ou ao trabalho forçado. Esse trabalhador migrante "ilegal" raras vezes procura justiça, com medo de ser descoberto e expulso e não tem direito a recorrer das decisões administrativas que o afetam. No Estado de São Paulo, particularmente, é bem conhecido o caso dos migrantes bolivianos que trabalham com costura em condições subumanas.

Não há sequer há um tipo penal específico na legislação brasileira para o tráfico internacional de migrantes, embora a conduta possa ser enquadrada no Código Penal, se tiver finalidade de exercício da prostituição, ou se caracterizar como crime contra a organização do trabalho (na modalidade saída do território nacional). É possível ainda a tipificação nos crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, se a vítima possuir esta condição, ou na Lei 6.815 (Estatuto do Estrangeiro), quando se trata da introdução clandestina de estrangeiro no território nacional.

No que tange ao trabalho forçado de imigrantes no Brasil, até agora as operações de combate noticiadas referem-se a ações da Polícia Federal desmantelando oficinas de costura clandestinas em São Paulo. Tal como ocorre com os focos de trabalho escravo rural, o problema é antigo e somente agora está sendo enfrentado com seriedade. Esse tipo de operação, em geral, segue um padrão de detenção do empregador, com fundamento na redução à condição análoga à de escravo (Art. 149, CP), e deportação das vítimas da exploração do trabalho. A ausência de responsabilização trabalhista (justamente aquela que tem se mostrado mais incerta) dificulta o desestímulo ao explorador, e induz à reincidência, pelo próprio explorado. Como sabemos, a ocorrência do trabalho ilegal é determinada fortemente por um círculo vicioso: as agências de mão-de-obra ilegal se disseminam quanto menos se façam cumprir as normas trabalhistas em relação aos trabalhadores estrangeiros indocumentados e quanto mais restritas forem as leis imigratórias ao lado da pouca eficácia do controle nas fronteiras.

Não deve esquecer-se que a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias é um instrumento importantíssimo a respeito, não somente por estabelecer normas de tratamento igualitário entre nacionais e migrantes, mas principalmente porque atribui direitos humanos fundamentais a todos os estrangeiros, documentados ou não, como já se expôs. Sem mencionar todos os direitos fundamentais garantidos em Declarações universais e regionais de Direitos Humanos, parte integrante de nossa Constituição. A propósito, segundo Parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos-CIDH (28) sobre os direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados: "o trabalhador imigrante tem direitos trabalhistas, mesmo que não tenha documentação legal ou cidadania reconhecida pelo país de residência". "Qualquer imigrante não documentado que estabeleça uma relação de trabalho deve ter obrigatoriamente os seus direitos preservados". Os direitos trabalhistas não dependem do estatuto de cidadania e têm que ser respeitados.

ACIDH estabeleceu ainda que não é suficiente, para um imigrante que trabalhe ilegalmente em um País e que esteja às vésperas da deportação, ser ouvido por uma autoridade administrativa; assiste-lhe também o direito de ser ouvido por uma autoridade do poder judiciário. "O direito de acesso à justiça é um direito inerente ao ser humano, independe de seu estatuto migratório" ensina o Prof. Cançado Trindade. O principal objetivo da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias é que todos os trabalhadores migrantes, tal como são definidos na Convenção, possam gozar dos seus direitos humanos, independentemente do seu estatuto jurídico, e esse também deveria ser o objetivo a seguir nas operações de combate ao trabalho escravo de imigrantes.

Nos termos do artigo 68 da Convenção mencionada acima, os Estados Partes deveriam cooperar "a fim de prevenir e eliminar os movimentos e o trabalho ilegais ou clandestinos de trabalhadores migrantes em situação irregular", e, concretamente, adotar medidas apropriadas contra a difusão de informação enganadora respeitante à emigração e à imigração; medidas destinadas a detectar e a eliminar os movimentos ilegais ou clandestinos; e a impor sanções eficazes às pessoas, grupos ou entidades, que organizem, realizem ou participem em tais movimentos ou recorram à violência, à ameaça ou à intimidação contra os trabalhadores migrantes em situação irregular, ou que empreguem tais trabalhadores.

Na verdade, não será possível acabar com o tráfico clandestino de mão-de-obra estrangeira, sem atacar as causas da migração de trabalhadores, nomeadamente o subdesenvolvimento econômico e o subemprego crônico. Contudo, enquanto a migração persistir, o tratamento meramente policial ou migratório do trabalho escravo de indocumentados, desconsiderando os direitos trabalhistas destes, tenderá apenas a agravar o problema, estimulando, pelos altos lucros, tanto exploradores do trabalho quanto o tráfico clandestino de mão de obra que fornece o elemento humano àqueles.

A propósito, vale salientar também que a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode ser consultada, pelos Estados membros da OEA, sobre a compatibilidade entre quaisquer de suas leis internas e a Convenção Interamericana ou outros tratados sobre direitos humanos (Art. 64.2 da Convenção), abrindo a possibilidade de que nossa retrógrada Lei de estrangeiros tenha também sua validade questionada perante esse órgão internacional de justiça. (29) Apenas recentemente (em 2005), um novo Anteprojeto de Lei dos Estrangeiros foi submetido à consulta pública. Mas, não percebemos nessa proposta um esforço coerente para respeitar os compromissos internacionais, superando os paradigmas ultrapassados da legislação em vigor.

Importa, sobretudo, ao novo Estatuto do Estrangeiro esclarecer que nenhum estrangeiro será privado de seus direitos fundamentais, muito pelo contrário, serão fortalecidos instrumentos para sua proteção. Deve esclarecer também que todos os trabalhadores migrantes independentemente de sua condição jurídica têm garantidos seus direitos trabalhistas, conforme os Tratados Internacionais na matéria, mostrando coerência não só interna mas em relação a nossa Lei Maior e ao direito internacional; enfim, deve convocar uma nova mentalidade nas autoridades encarregadas de aplicar a legislação migratória para assegurar sua justa e homogênea aplicação em todo o território nacional.

A nova lei de estrangeiros deve contemplar com mais firmeza a dignidade dos migrantes sócio-econômicos que, muitas vezes, por falta de outro amparo legal, buscam acolhida na Lei 9.474/97 (30), confundindo os institutos de proteção ao migrante e ao refugiado.

O Brasil, ainda que hoje seja um país predominantemente emigrante, como a maioria dos países que recebem imigrantes, enfrenta também com dificuldade a imigração. Devemos aproveitar a oportunidade de mudança da Lei para fortalecer o compromisso do país com os direitos dos migrantes e assim favorecer os emigrantes brasileiros no exterior. Um melhor tratamento para nossos imigrantes pode refletir-se num melhor tratamento para os nossos emigrantes.

5. Contexto atual das migrações: terrorismo e tráfico de pessoas.

As turbulências econômicas dos anos oitenta repercutiram decisivamente sobre as migrações da América Latina, cujos fluxos intensificam-se também em direção a países distantes. Países que foram pólos de atração se convertem progressivamente em centros expulsores, rumo especialmente aos EUA, Canadá, Japão, Europa e Austrália, afetando principalmente a mão-de-obra altamente qualificada, sendo os EUA o principal destino. (31)

A maior concentração de migrantes latino-americanos, ocorre nos Estados Unidos e cresce 3% ao ano. Na "terra dos sonhos" o total de migrantes saltou de 30 para 36 milhões nos últimos seis anos, desses, o número de latino-americanos cresceu de 8,4 milhões em 1990 para cerca de 18 milhões de pessoas atualmente, ou seja, 65% dos imigrantes nos EUA são de origem latina ou caribenha. Depois dos Estados Unidos o principal país receptor dos imigrantes destas regiões é a Espanha. Ao contrário do Brasil, a Espanha, com quase 3 milhões de imigrantes, de país tradicionalmente de emigração, passou a país receptor de imigrantes. Segundo dados oficiais vivem na Espanha 2,6 milhões de estrangeiros, ou seja, algo como 5% da população total espanhola é de imigrantes, dos quais em torno de 600 mil são latino-americanos. Segundo a ONG espanhola SOS Racismo, mais de 1 milhão de imigrantes estão em situação irregular neste país, tradicional porta de entrada de imigrantes latino-americanos e africanos em Europa (32).

Tal como outros países latino-americanos, o Brasil começa a se inserir no contexto internacional das migrações, a partir da segunda metade de 1980, com um fluxo representado em sua maioria por jovens, em direção aos países desenvolvidos da Europa e principalmente para os Estados Unidos, em busca do sonho por uma vida melhor. De acordo com dados da Polícia Federal, cerca de 22.500 brasileiros foram deportados ou não admitidos no exterior em 2004. Assim como ocorre com os bolivianos vindos para nosso país, muitos brasileiros sofrem enormemente como emigrantes, alguns pagam altas quantias a procura do sonho que nem realizam, outros vêm seu sonho transformado em terrível pesadelo (33).

Mais da metade dos brasileiros que decidem morar no exterior escolhe os Estados Unidos como principal destino, calcula-se que moram nesse país 800 mil emigrantes brasileiros, grande parte de forma não documentada. No Japão existem em torno de 300 mil, conforme censo do Ministério da Justiça japonês. E a estimativa é que 100 mil brasileiros busquem, a cada ano, melhor emprego e remuneração em outros países. O perfil das pessoas que decidem deixar o país é variado, são tanto profissionais com nível acadêmico elevado, quanto pessoas de regiões economicamente deprimidas.

Nos EUA, apesar de não sofrerem tanta discriminação como os árabes, assim como outros latino-americanos, os brasileiros são fortemente atingidos pelas políticas restritivas e em grande número deportados:

Em 2006, o Congresso Americano aprovou a ampliação de mais de 1.000 Km de um muro na fronteira com o México. O Governo Americano também começou a mandar imigrantes para a cadeia por ter entrado ilegalmente. Antes, a norma era deportar esses ilegais. Agora, nos 300 Km cobertos pela Patrulha de Fronteira de Del Rio, no Texas, todos os detidos são enviados para julgamento. Se condenados, podem ficar de 15 dias a até seis meses na cadeia. Neste caso, a pena é para os reincidentes (34).

Na França, a ONG Médicos do Mundo protestou contra circular do Ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que orienta as autoridades a questionarem o status migratório de pessoas que recebem atendimento em hospitais, salas de espera, salas de operação, centros de reabilitação e inclusive ambulâncias (35). Dentre as tendências cada vez mais restritivas nas leis migratórias adotadas nos países desenvolvidos, as ações de combate ao terror com implicações migratórias destacam-se por constituir em muitos casos violações dos direitos humanos dos migrantes, a exemplo do recente episódio do brasileiro assassinado no Reino Unido (36).

O 11 de setembro de 2001 será lembrado como o dia em que ocorreu um dos piores ataques terroristas no mundo. O terrível crime cometido deixou um saldo de quase três mil mortos, devastou as vidas de milhares, destruiu o WTC (World Trade Center de Nova York) e gerou um plano emergencial de proteção dos EUA contra futuros ataques terroristas. Sem embargo, o 11 de setembro marcou também o início de um dos maiores ataques aos direitos fundamentais nos EUA, especialmente dos migrantes. Não é sem razão que Anistia Internacional denuncia que os Direitos Humanos não têm sido considerados na guerra contra o terror empreendida pelos Estados Unidos.

A emigração para a Europa infelizmente inclui uma camada que envolve o tráfico de mulheres e crianças, cujo destino muitas vezes é o da exploração sexual. O tráfico internacional de pessoas é tão sofisticado e complexo quanto o tráfico de drogas e armas, a corrupção e a lavagem de dinheiro. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), é uma das actividades mais rentáveis do crime organizado, com uma movimentação financeira estimada em US$ 9 bilhões por ano.

Em Maio de 2004, o Ministério da Justiça e o escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC) no Brasil divulgaram um relatório que revela a situação brasileira em relação ao tráfico internacional de mulheres para prostituição, crime pouco investigado aqui no Brasil. As brasileiras estão entre as principais vítimas do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual. Elas têm, em média, entre 15 e 27 anos e são aliciadas por taxistas, donos de boates e agências de modelo. Com promessas de uma vida melhor no exterior, seguem para a Europa e Ásia. No entanto, acabam mantidas em cativeiro e são obrigadas a pagar pelas passagens, alimentação e moradia.  Endividadas e sem passaporte, poucas conseguem fugir e procurar auxílio. Ainda assim, das denúncias feitas, o índice de condenação penal é muito baixo.

A grande maioria dessas mulheres é aliciada com promessas de trabalho honesto e bem remunerado. Um relatório publicado pela Organização Internacional de Migrações (OIM), em Genebra, denuncia a existência de rotas de tráfico de mulheres entre o Brasil e a Europa. Segundo as estimativas do relatório cerca de 75 mil brasileiras atuam na indústria de prostituição européia. Em termos gerais, o número de mulheres que deixam o Brasil com destino a Europa é bem superior ao de homens. A grande maioria dessas mulheres não trabalha na indústria do sexo, mas os dados mostram que o mercado de trabalho europeu é mais aberto às mulheres, que quando não estão servindo à prostituição, estão trabalhando principalmente com serviços domésticos. Nos últimos anos tem se noticiado diversos resgates de brasileiras mantidas em regime de escravidão, principalmente na Espanha e Portugal.

6. Conclusões

Indubitavelmente, o tema das migrações faz parte da agenda da globalização e está presente também nas discussões políticas em todos os países do mundo. Os esforços nacionais e internacionais para defender os direitos humanos dos migrantes e combater a xenofobia permanecem insuficientes e com impacto limitado. Muito há ainda por fazer para assegurar aos migrantes uma verdadeira proteção. Ainda carecemos de uma consciência clara em nível político, administrativo, e mesmo pessoal, sobre as realidades, o impacto e implicações dos movimentos migratórios. Também faz falta uma consciência sobre as normas aplicáveis e os direitos protegidos, o que é indispensável para que o ser humano possa desfrutá-los na sua totalidade.

Se a humanidade efetivamente avançará no tema dos direitos humanos, isto depende muito de uma transformação na forma de encarar as migrações e de tratar os migrantes nos países receptores. É necessário por isso que seja vencida a resistência contra a idéia de que o migrante tem também direitos, que sua proteção não depende do país receptor e de que está definitivamente entregue ao arbítrio das autoridades migratórias. As migrações irregulares não podem ser encaradas como um fato nocivo ou pertencente à esfera criminal. A criminalização do migrante ou sua desproteção não irão diminuir o tráfico internacional de pessoas, pelo contrário, tendem a agravar o problema.

Milhões de pessoas ao redor do mundo, que saíram de seus países vivem e tentam abrir seu caminho em um novo país, levando uma vida de insegurança e desprovidas de qualquer direito e temerosos das autoridades, obrigados a escolher entre sujeitarem-se à exploração e às redes clandestinas, muitas vezes criminosas, que asseguram sua sobrevivência, ou a expulsão pelas autoridades. Enquanto o migrante regular muitas vezes sofre o amesquinhamento de seus direitos, ou vive na corda bamba, numa situação precária em que pode de um momento a outro, converter-se em irregular, por desinformação, excessos burocráticos, falta de dinheiro ou mesmo mudança dos ventos políticos, o migrante irregular vive como homem invisível, inpossibilitado de gozar dos mínimos direitos humanos, pois não pode buscar o Estado ou as autoridades para proteção.

Talvez o desafio principal para o os direitos humanos dos migrantes seja lograr substituir a abordagem internacional da migração fundamentada num sistema de controle pelo estabelecimento de um sistema fundamentado na proteção e na dignidade humana do migrante. A abordagem começa sobretudo com a inclusão da necessária proteção dos direitos humanos dos migrantes nas normas e na prática dos Estados e instituições. o Brasil deve ratificar a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias e rever seu direito interno de modo a não continuar a infringir os direitos humanos dos migrantes, restando claro que estes direitos podem ser reclamados no plano internacional e os países responsabilizados internacionalmente.

Referências Bibliográficas

  • Organização Internacional das Migrações, Migraciones y Protección de los Derechos Humanos, Derecho Internacional sobre las Migraciones, Genève, OIM, 2005.
  • Sales T., Brasileiros Longe de Casa, São Paulo, Cortez Editora, 1999.
  • Taran P., "Human Rights of Migrants. Challenges of the new decade", em International Migration, Quarterly Review, XXXVIII (2000), 6, Special Issue.
  • Zolo D., "La Strategia della cittadinanza", em D. Zolo (a cura di), La cittadinanza, Appartenenza, identità, diritti, 2ª. Ed., Roma-Bari, Laterza, 1999.

Notas

*. Mestre em Direito Comunitário.

1. "Imigrantes já chegam a 191 milhões, afirma ONU", em Folha de São Paulo. Caderno Mundo, 8 de junho de 2006, pp. A-14. Havia 155 milhões de migrantes em 1990 e 75 milhões em 1965.

2. P. Taran, "Human Rights of Migrants. Challenges of the new decade", em International Migration, Quarterly Review, XXXVIII (2000), 6, Special Issue, pp. 7-51.

3. Convenções Internacionais de Proteção aos Refugiados, ACNUR e leis nacionais.

4. International Labour Office, World Labour Report 2000, Genève, ILO, 2000. Ver também Id., Labour Migration Statistics, International Labour Organization.

5. Jilyanne Redpath - Representante da OIM na 60a SESSÃO da Comissão de Direitos Humanos, Item 14a: do Relatório da Sessão - Direitos dos trabalhadores migrantes, 8 de Abril de 2004 (Arquivo de Documentos da OIM, 2004).

6. Folha de São Paulo, cit.

7. L. Mármora, Seminário: Migrações: Exclusão ou Cidadania?, Brasília-DF de 25 a 27 de setembro de 2003, São Paulo, CEM, 2003.

8. Folha de São Paulo, cit.

9. Além Fronteiras, VI (2005), 26, IMDH - Instituto Migrações e Direitos Humanos.

10. "Editorial", em Jornal O Estado de São Paulo, 17/6/02.

11. G. Hugo, "Migrações Internacionais Não-documentadas. Uma tendência global crescente", em Revista Travessia, XI (1998), 30, pp.5-7.

12. L. Mármora, art. cit.

13. D. Zolo, "La strategia della cittadinanza", em D. Zolo (a cura), La cittadinanza, Appartenenza, identità diritti, 2ª. Ed., Roma-Bari, Laterza, 1999, p. 42.

14. Organização Internacional das Migrações, Migraciones y Protección de los Derechos Humanos. Derecho Internacional sobre las Migraciones, Genève, OIM, 2005, p. 8.

15. G. F. S. Soares, "Raízes históricas das normas internas de proteção aos estrangeiros - Os Direitos Humanos e a proteção dos Estrangeiros", em Revista de Informação Legislativa, Brasília, XLI (2004), 162 (Edição especial comemorativa dos 40 anos).

16. Conf. Art. 14, parágrafos 2o e 3º da Constituição Federal brasileira.

17. Ibid.

18. P. Taran, op. cit.

19. G. W. Mueller, "Relatório Geral", Conferência internacional sobre migração e crime, Courmayeur, 7-9 de Outubro de 1996.

20. Anistia Internacional, "La guerra contra la «inmigración ilegal» pone en riesgo los Derechos Humanos", (S.P.M.) Serviço Pastoral dos Migrantes.

21. Estimativa da ONU indica que esse tipo de crime movimenta entre sete a dez bilhões de dólares anualmente. A título de ilustração, mencione-se que transportar de carro ilegalmente a alguém através de uma fronteira da Europa Oriental ou num barco de Marrocos até Espanha pode render 500 dólares; um sofisticado pacote de viagem para um migrante indocumentado desde China a Estados Unidos pode chegar a custar 30.000 dólares.

22. "Brasil está entre as maiores fontes de tráfico humano na região, diz ONU" Fonte: Folha de São Paulo, CatolicaNet Bogotá.

23. A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias de 1990, não foi ratificada até hoje. Observe-se que o Programa Nacional de Direitos Humanos de 1996 adotou como proposta de ação governamental de curto prazo a ratificação desta Convenção (Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, instituído pelo Dec. N. 1904 de 13 de maio de 1996, substituído pelo PNDH II, pelo Dec. 4.229 de 13 de maio de 2002) que manteve essa meta no item 473. PNDH, MJ.

24. Dados oficiais são fornecidos pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério das Relações Exteriores. Ver. Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores, outras estimativas não oficiais, que inclui imigrantes irregulares não contabilizados tem sido feitas pelo Centro de Estudos Migratórios da Pastoral dos Migrantes em São Paulo.

25. Lei 6.815 de 19 de agosto de 1980 (alterações) e Decreto n. 86.715 de 10 de dezembro de 1981.

26. Art. 98 e ss, Dec. No. 86.715/81 que regulamenta a Lei 6.815/80

27. A lei estabelece que não se concede visto aos estrangeiros se for:

  • menor de dezoito anos, desacompanhado do responsável legal ou sem a autorização expressa;
  • considerado nocivo à ordem pública ou aos interesses nacionais;
  • anteriormente expulso do país, salvo se a expulsão tiver sido revogada; e,
  • condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira;

28. Notícias do TST, "Imigrante sem documentação tem direitos trabalhistas", 21.10.2003 - Parecer recebido pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Francisco Fausto, do presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Juiz Antônio Cançado Trindade. Cfr. TST.

29. Por ex. a Opinião Consultiva OC-4/84 de 19/01/1984. Serie A, N° 4, párs. 15-30. CIDH, Proposta de modificação da Constituição Política de Costa Rica (assunto naturalização).

30. Lei brasileira de proteção ao refugiado.

31. T. Sales, Brasileiros Longe de Casa, São Paulo, Cortez Editora, 1999, p. 28.

32. "Espanha Anistia Imigrantes Ilegais", em Além Fronteiras, Boletim da Pastoral dos Brasileiros no Exterior - CNBB, VI (2005), 26, Ministério Irineo Grubert. V. Também "Espanha vai Legalizar Imigrantes Irregulares", em Boletim do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios, II (2005), 5. Mesmo criticada por outros membros da UE, a Espanha realizou um processo de legalização em 2005, com mais de um milhão de pedidos, dos que 690.679 foram aceitos. Após o qual começou uma forte campanha de fiscalização contra irregulares, com fins de deportação.Ver bbc.co. uk - BBC-Brasil

33. Quarenta imigrantes brasileiros foram detidos em 18/02/2007, em Falfurrias, Texas, EUA, ocultos em um baú de caminhão sem ventilação. Em janeiro deste ano, o caminhoneiro Tyrone Williams foi condenado à prisão perpétua, depois que 19 imigrantes morreram em um caminhão quando tentavam entrar nos EUA, em 2003 ("Brasileiros são presos em caminhão ao entrar nos EUA", em Folha de São Paulo, Mundo, 22 de fevereiro de 2007).

34. "Brasileiros são presos em caminhão ao entrar nos EUA", cit.

35. Ver: PICUM, maio de 2006.

36. O mineiro Jean Charles de Menezes foi morto a tiros, pelas costas, no metrô de Londres, por policiais britânicos, em 22 de julho de 2005, porque suspeitaram tratar-se de um terrorista.