2009

Este não é o meu lugar
Direitos humanos e políticas públicas para crianças nascidas atrás das grades

Gino Tapparelli

Introdução

Este estudo com base em observações empíricas em uma penitenciária feminina focaliza o problema dos filhos de mulheres apenadas sob a perspectiva dos direitos humanos e da formulação políticas públicas. Neste sentido, a análise elaborada e a exploração dos seus nexos com as teorias relativas aos direitos humanos visam ampliar o debate público e contribuir para a formulação de políticas públicas de defesa dos direitos das crianças nascidas em cárcere. Ao longo deste capítulo defende-se que o aprisionamento e a privação da liberdade de uma criança é uma das violações mais graves dos direitos fundamentais do ser humano.

Sabe-se que o primeiro passo para a formulação de políticas públicas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente consiste em realizar o diagnóstico da situação, delimitando e especificando o problema. O segundo momento visa à fundamentação teórica da problemática abordada para, em seguida, poder definir diretrizes gerais (CENDHEC, 1999).

Com o propósito de contribuir para o diagnóstico do problema apresentamos a sobrevivência precária das crianças aprisionadas junto à sua mãe no Conjunto Penal Feminino de Salvador (Bahia) e uma reflexão teórica a partir dos direitos fundamentais das crianças, da conceitualização do Estado de Direito e de considerações sobre o sistema penitenciário na sociedade moderna.

População prisional: dimensão e características

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN (2006) a grande maioria da população carcerária no Brasil é constituída de homens (94%), pretos ou pardos (42%), que não completaram o ensino fundamental (42%) ou analfabeto (6%) e provindo das classes sociais mais baixas. A partir desses dados constata-se que o sistema penal e prisional brasileiro sob a ótica do artigo 5º da Constituição Federal que afirma "que todos são iguais perante a lei", desvenda uma alta seletividade em relação às camadas menos favorecidas da sociedade.

Em relação à Bahia, os dados do DEPEN de dezembro de 2007 indicam que neste estado há 21 estabelecimentos com uma população prisional de 8.260, sendo 302 mulheres, distribuídos conforme o quadro abaixo:

Quadro 1 - População prisional na Bahia segundo regime penal e sexo
Sexo Regime Fechado Regime Semi -Aberto Regime Aberto Situação Provisória Medida de Segurança
Homens 2.755 1.446 196 3.511 50
Mulheres 54 77 13 155 03
Total 2.809 1.523 209 3.666 53

Fonte: Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, dez. de 2007

O Conjunto Penal Feminino de Salvador foi fundado em 08 de março de 1990 (1), (Dia Internacional da Mulher), com uma capacidade inicial de 64 internas. Após várias reformas, alcançou a capacidade para 129 presas nos mais diferenciados regimes penais: fechado, semi-aberto, e aberto, custodiando mulheres presas em caráter provisório ou sentenciadas. O levantamento efetuado em 15 de outubro de 2008 revelou a presença de 140 internas, com uma superlotação de 11 vagas.

Em relação ao espaço físico, o prédio é composto de oito galerias com oito celas com duas comarcas cada, um pátio e uma área coberta. No andar superior temos as salas da Direção, Assistência Social e dos Registros. Além disso, há a sala para atendimento Jurídico, sala de reuniões, lugares para as atividades laborativas, educacionais, copa, área externa e sala de espera.

O corpo administrativo é formado pela Direção, Diretor Adjunto, Secretário, vinte Agentes Penitenciários, Coordenador das atividades laborativas, Assistente Social, Psicólogo e Serviço Médico. Quanto à dinâmica do trabalho técnico há no regulamento interno um completo detalhamento das atribuições de cada função.

Das 140 internas 88 foram processadas e 52 sentenciadas, entre elas há 12 estrangeiras processadas e duas sentenciadas. Há cinco internas no Hospital de Custódia e Tratamento psiquiátrico, destinado aos doentes mentais e aos portadores de algum transtorno mental. No regime semi-aberto há 40 internas entre elas uma estrangeira, tendo somente uma interna condenada em regime aberto. A partir da data de entrada no Conjunto Penal Feminino, pode-se apresentar o seguinte quadro que revela o tempo de permanência das internas:

Quadro 2 - Mulheres apenadas no Conjunto Penal Feminino de Salvador por ano de detenção
Ano Presas
2002 06
2003 05
2004 05
2005 08
2006 16
2007 28
2008 72
Total 140

Fonte:Coordenação Conjunto Penal Feminino / 2008

Pode-se observar que o maior número das apenadas se concentra nos anos 2007 e 2008. A maioria delas pertence ao estrato mais pobre da população, são afro-descendentes, apresentam baixo nível de escolaridade, têm outros filhos com menos de 18 anos, situação matrimonial estável e companheiros envolvidos em situação criminal.

Entre as atividades laborativas desenvolvidas sem direito à remuneração, mas com o benefício de remissão da pena, há a faxina realizada por 56 internas, com a distribuição mensal das atividades. Existem duas fábricas (Fábrica de Fitas Winter-Print e uma de produtos ortopédicos em funcionamento que empregam 11 internas com direito à remuneração de 75% do salário mínimo e remissão de pena. O setor de costura desenvolve o trabalho com duas internas treinadas que confeccionam fardamento. Além disso, as internas realizam trabalhos artesanais nas próprias celas e as peças são vendidas durante os dias de visitas ou em exposições.

As atividades de Arte e Educação oferecem os cursos de: Aceleração I e II, Cabeleireiro, Pano da Costa, Português para estrangeiras, Yoga, Inglês, cuja instrutora é uma interna e do qual participam três alunas e Canto. Para as internas no regime semi-aberto é oferecido pelo presídio um curso de natureza diferenciada sobre Liberdade e Cidadania. Há também o culto das igrejas evangélicas e católicas.

No Conjunto Penal Feminino de Salvador, atualmente encontram-se 26 mães com crianças de zero a dois anos, dessas, 5 crianças permanecem presas. Por determinação deste presídio as crianças permanecem encarceradas até a idade de seis meses, após este período, elas vão para a casa de parentes ou são entregues à creche "Nova Semente", situada fora do Complexo Penitenciário, que atende também crianças do bairro vizinho.

O serviço médico do presídio atende a todas as internas e oferece os medicamentos prescritos. As grávidas fazem exames e acompanhamento pré-natal. Todas as que são mães hoje se encontravam grávidas antes de serem internadas. Não há casos de gravidez dentro da prisão, pois há um rígido controle da fecundidade ao interior do estabelecimento. Já em relação às crianças nascidas no cárcere não há nenhum atendimento, nem pediatra, nem remédios.

Crianças encarceradas

Apesar do presídio em estudo ter sido construído como unidade prisional feminina, este mais se assemelha àqueles destinados aos homens, pois as mulheres grávidas e as mães que amamentam o fazem em situações bem peculiares e precárias. Isto porque a planta física e a organização da instituição não contemplam as necessidades ligadas à maternidade.

Em relação ao aprisionamento e à continuidade da família, constata-se que se o pai está preso, a mãe toma conta dos filhos, quando a situação contrária, o encarceramento da mãe, desestrutura completamente o núcleo familiar. Há também outras implicações decorrentes do ato de aprisionamento que afetam o conjunto dos familiares. A esse respeito, uma avó que trabalhava "em casa de família", declarou ter perdido o emprego assim que "a patroa soube que a menina foi presa".

As mulheres grávidas raramente recebem um atendimento adequado antes e depois do parto. Não se têm em consideração as necessidades de uma dieta particular para as mulheres grávidas e a comida oferecida é insuficiente ou inadequada às exigências nutricionais de uma mulher que está amamentando.

As crianças nascem e vivem num ambiente compartido com pessoas portadoras de graves problemas de saúde (infecção pelo HIV, tuberculose, doenças de pele e outras enfermidades) sob condições precárias de higiene.

Por outro lado, a prevista separação dos filhos em relação à sua mãe cria um efeito traumático a longo prazo tanto para a mãe quanto para a criança, o qual será abordado mais adiante. (2)

Um estudo realizado na Universidade de Brasília encontrou 289 crianças nascidas de mães presidiárias vivendo nas unidades prisionais no Brasil (SANTA RITA, 2006). Esta pesquisa, realizada entre outubro e dezembro de 2005 em 79 presídios em todos os estados da Federação incluiu informações de 9.631 presidiárias, número que representa 74,5% do total de mães em regime de perda de liberdade no país. Foi observado que o período de permanência das crianças nas penitenciárias brasileiras varia de três meses a seis anos. Os resultados assinalaram que do total de crianças, filhos de mães presas 165 são crianças de 0 a 6 meses; 60 têm idade até 2 anos; 28 permaneceram até 3 anos e 22 ficam internados até 6 anos.

Conclui-se que não há uma padronização em relação ao período de permanência das crianças nas unidades prisionais inspirados em critérios relacionados ao limite etário, à saúde, higiene e os conhecimentos correlatos com o desenvolvimento infantil.

A pesquisa nacional anteriormente referida também revelou ainda que de 717 mulheres presas, 197 estavam grávidas (27,5%); 234 (32,6%) eram mulheres que amamentavam e outras 86 (39,9%) não amamentavam, mas permaneciam com os filhos na prisão.

As leis que asseguram os direitos de mulheres e de crianças, como a Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), que determina que as penitenciárias femininas sejam dotadas de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus filhos, são desrespeitadas na maior parte das unidades prisionais brasileiras. De acordo com a mesma pesquisa na maioria das instituições as crianças permaneciam na cela coletiva junto à mãe (SANTA RITA, 2006).

Deste modo, nas unidades prisionais brasileiras é possível encontrar bebês dormindo em berços improvisados dentro de celas femininas e crianças menores de três anos submetidas ao regime prisional, com horários estipulados até para banho de sol. Na maioria das penitenciárias faltam remédios, ginecologistas e pediatras (SANTA ROSA, 2006).

Em vista da falta de atenção à situação das crianças encarcerada, vale à pena sublinhar o espaço que os tratados de direitos das Nações Unidas dedicam a esse tema e os documentos legais relativos aos direitos das crianças assinados pelo governo brasileiro.

Leis, estatutos, convenções e a situação das crianças nascidas em cárcere

Existe uma ampla documentação tanto ao nível nacional como internacional sobre os direitos da criança em geral e das crianças aprisionadas em particular. Torna-se interessante confrontar o que é estabelecido com o que é vivido pelas mães e crianças dentro do cárcere.

No nível nacional, em ordem cronológica, temos: a Lei nº. 7.210/84 - Lei de Execução Penal; a Lei 7417/85 que trata da anistia para mães de filhos com pena inferior a 5 anos; a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; a Lei nº 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente e o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (BRASIL, 2003), que visa consolidar uma política e atendimento específico para as pessoas privadas de liberdade.

No nível internacional, podem-se citar: a Declaração de Genebra de 1924, sobre a necessidade de proteção especial à criança e ao adolescente; a Convenção Internacional sobre Direitos da Criança e do Adolescente, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990; o Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas submetidas a qualquer forma de Detenção ou Prisão, votada também em Assembléia Geral da ONU, em 1988; as Regras Mínimas para Tratamento do Preso da ONU. Inclusive, a Resolução 58/183 da ONU recomendou que os governantes prestassem maior atenção às mulheres que se encontram na prisão, compreendendo questões referentes aos seus filhos.

Vale lembrar que a assinatura e a ratificação dos documentos internacionais por parte do Estado criam deveres e obrigações diante de todas as nações signatárias, de realizar relatórios periódicos sobre a situação dos direitos da criança e do adolescente em nosso país. Como bem salienta PIOVESAN (2003, p. 284):

no sistema jurídico brasileiro, as crianças e os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais garantidos à pessoa humana, tanto aqueles reconhecidos pelo direito interno brasileiro, quanto os previstos nos tratados internacionais de que o Brasil faz parte.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) que regulamenta o artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (3) resgata o valor da criança e do adolescente como seres humanos, sujeitos de direito, titulares de direitos especiais e que devem receber total priorização. Os direitos especiais reconhecidos às crianças e aos adolescentes decorrem da peculiar condição de seres humanos em desenvolvimento. Como preconiza o artigo 3º, as crianças têm direito a uma proteção integral que lhes assegure "todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade".

Precisa ressaltar que essa preocupação para com as crianças e adolescente não é dever somente dos pais, mas de toda a sociedade e, em especial do Estado. Há, portanto, uma rede de proteção prevista em lei que englobaria dimensões políticas, econômicas e sociais que implicaria em revisar prioridades políticas e de investimentos para assegurar os direitos civis, políticos e sociais das crianças e dos adolescentes brasileiros. A esse respeito, Piovesan (2003) salienta que há obrigações dos diferentes órgãos e instituições públicas que deveriam trabalhar de modo articulado no atendimento especial e prioritário a toda criança e adolescente:

destaca-se que os deveres previstos na lei são dirigidos a toda a sociedade, mas deve-se acrescentar que os membros e funcionários do Estado, nas esferas executiva, legislativa e judiciária, nos âmbitos federal estadual e municipal, têm o dever de ofício de cumprir e fazer cumprir tais determinações (PIOVESAN, 2003, p. 290).

Conclui-se que a violação dos direitos da criança por parte do Estado e a não efetivação das normas institucionalizadas, como acontece com as crianças nascida e que vivem presas nas penitenciárias femininas do Brasil, se caracterizam como violência institucional ou violência do Estado.

Por conseguinte, há uma enorme distância entre o texto das leis e das normas com situações concretas ao interior do Conjunto Penal Feminino de Salvador e isso exige um posicionamento crítico diante do cotidiano vivido pelas mães e crianças presas.

Às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (BRASIL, Constituição 1988, artigo5º).

Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus filhos. (BRASIL, Lei de Execução Penal, artigo 83).

A penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor desamparado cuja responsável esteja presa. (BRASIL, Lei de Execução Penal, artigo 89).

Chegada a hora do parto, a interna é escoltada pela polícia militar até o hospital, onde permanece num quarto separado, sempre vigiada. As policiais mulheres, em geral, não colocam as algemas, ficam entretendo-se com a parturiente dentro do quarto, enquanto os homens ficam do lado de fora. Às vezes, segundo os depoimentos das mães, é o próprio médico que exige que sejam tiradas as algemas.

Liberada pelo médico, a mãe com a criança volta à prisão e aí começa uma nova vida com novas e inúmeras dificuldades. A volta à prisão com o recém-nascido significa um retorno às circunstâncias indesejadas, como manifesta uma das mães: "eu chorei muito porque não queria vir para aqui com meu filho, chorei muito, depois fiquei".

A penitenciária não tem creche, berçário, berço ou área reservada para os bebês. A criança dorme com a mãe, segue o ritmo, os horários, a disciplina da prisão. Algumas internas fumam cigarros de maconha e o ar se torna impregnado e impróprio. "Como tem três pessoas [na cela], eu dormia na comarca com ela (a criança) e a outra (interna) no chão". À tardezinha, as portas e as grades de ferro da cela e da galeria são fechadas e se avizinha a hora do pranto, como confirma uma mãe. Durante a noite ela tem que abafar o choro da criança, pois as outras internas queixam-se da "zoada" [ruído]. Na galeria não há lugar para passear. A luz permanece apagada durante a noite, sendo o peito da mãe o único consolo ao bebê que chora.

Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

(BRASIL, ECA, 1990, artigo. 5º).

Se há necessidade de trocar as fraldas e limpar o recém-nascido, isso é feito na latrina da cela, que, às vezes, se encontra sem água. Na prisão não tem água quente para o banho, as mães pagam dois reais para alugar o fogareiro elétrico de outra interna e assim chegam a aquecer a água do banho. As fraldas e a pouca roupa são lavadas e estendidas nas cordas do pátio. Nos dias de chuva, a roupa fica molhada, úmida, amarrotada, pois não tem o ferro de passar roupa. Os mosquitos deixam o corpo das crianças todo marcado por picadas.

A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Para compensar toda a inadequação do espaço institucional, a criança fica no colo da mãe o dia todo. As outras internas também carregam, abraçam, embalam o recém-nascido que passam-no de colo em colo. A chegada de uma nova criança é motivo de alegria, como declara uma interna, após o retorno à prisão depois do parto: "as meninas ficaram todas alegres, carregando o bebê". Mas o ambiente prisional não é para criança, assim algumas mães evitam o contato do recém-nascido com as internas, pois há doenças dentro da prisão: infecção pelo HIV, tuberculose, doenças de pele etc. Vale destacar que existe solidariedade entre as internas, chegando a situações em que algumas cedem seu lugar, indo dormir no chão para permitir uma melhor acomodação para a mãe com o bebê. Contraria-se assim o que determina a lei:

A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante e afetividade de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (BRASIL, ECA, 1990, artigo. 7º).

As dificuldades e as peripécias que toda mãe pobre encontra no acesso ao atendimento médico, entre as mães prisioneiras se tornam mais evidentes e cruéis. Neste sentido, o caso de uma das meninas do presídio, Alice, é ilustrativo disso. Ela teve refluxo, a pediatra prescreveu uma "USG de abdome superior com dopper colorido para pesquisa de RGE". O serviço interno passou a requisição para o formulário do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir daí começou a via crucis de Alice. Os Postos Médicos da Prefeitura encontravam desculpas para o encaminhamento do exame à Central de Regulação do Município de Salvador, o Conselho Tutelar apelou ao artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente e solicitou a um hospital realizar o exame. O hospital não alcançou a pequena Alice, pobre, negra e presa com a varinha mágica do "Deus que cura" e negou o pedido. A Promotoria de Justiça da Infância e Adolescência do Ministério Público do Estado da Bahia solicitou um relatório mais detalhado por parte da pediatra e, após entrar em contato telefônico com a responsável da prefeitura, comunicou para ir, após 12 dias, ao Hospital Roberto Santos, na parte da manhã, para marcar a data do exame. O hospital alegou que havia uma "sobrecarga" de pedidos e não recebia mais nenhuma requisição (4).

É dever de todos velarem pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (BRASIL, ECA, 1990, artigo 18).

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família natural e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (BRASIL, ECA, 1990, artigo 19).

A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder.

Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. (BRASIL, ECA, 1990, artigo 23).

Por decisão da penitenciária em Salvador, após seis meses as crianças são tiradas do colo das mães e entregues a algum familiar ou à uma creche. Durante nosso período de observação, a maioria das crianças foi acolhida pelas avós ou pelas tias. Contudo, as mães, quando sentem a aproximação do momento da separação, passam a viver numa dupla realidade: a da ilusão e a da incerteza. Incerteza pelo fato de não saberem com quem a criança vai ficar: "minha mãe vai levar e tomar conta do menino", " não sei onde vai acabar", " talvez minha tia leva com ela", "não tenho com quem deixar a menina". Estas são as declarações mais comuns. Quando a mãe é estrangeira, as coisas se complicam, apela-se ao coração para que a criança permaneça um pouco mais. Cogitam-se possibilidades cheias de situações complicadas e com entraves legais, tipo: talvez o pai possa vir buscar a criança, talvez a avó.

A Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), no artigo 117 aventa outras alternativas admitindo o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental e de uma gestante. Não foram encontrados casos dessa natureza na instituição em foco. A esse propósito, no último Encontro dos Conselhos da Comunidade realizado em Salvador, nos dias 11 e 12 de setembro de 2008, foi apresentada a proposta da prisão domiciliar e monitoramento eletrônico para as mães grávidas e lactantes em substituição à pena de prisão. No mesmo encontro, um palestrante, ao falar das penas alternativas, se posicionou nesses termos: "mais do que uma prisão melhor, o sensato é procurar alguma coisa melhor do que a prisão".

O estado de direito e a naturalização do aprisionamento de crianças

A partir do quadro exposto, levantamos dois questionamentos centrais para a continuidade desta reflexão: a privação do direito à liberdade e à integridade física e psíquica de uma criança reclusa é compatível com o conceito de Estado de Direito? Manter uma criança presa, devido ao fato de a mãe dela está em situação privada da liberdade, constitui-se numa grave violação dos direitos fundamentais de todo ser humano?

Para tanto é preciso esclarecer o conceito de Estado de Direito e, em seguida, relacioná-lo ao contexto das crianças presas. O Estado de Direito "atribui ao ordenamento jurídico a função primária de tutelar os direitos civis e políticos, contrastando, com essa finalidade, a inclinação do poder ao arbítrio e à prevaricação" (ZOLO, 2006, p.45).O Estado de Direito tem como função básica "a garantia dos direitos fundamentais do indivíduo" (ZOLO, 2006, p. 51).

Os direitos fundamentais são aqueles reconhecidos como naturais, inerentes à própria natureza do ser humano e não dependem do beneplácito do soberano, "e, como tais, invioláveis por parte do detentor do poder público, inalienáveis pelos seus próprios titulares e imprescritíveis" (BOBBIO, 1992, p.74). Ao mesmo tempo, os Direitos Fundamentais são aqueles considerados indispensáveis à pessoa humana e necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual.

Esses direitos transferem aos seus titulares o poder de fazê-los valer em âmbito judiciário, também contra órgãos do Estado e a favor do cidadão, uma vez que num Estado de Direito, a autoridade pública tem o dever de reconhecer, tutelar e promover as liberdades fundamentais do indivíduo. (ZOLO, 2006). A partir disso, os direitos fundamentais passam a se constituir em matérias sobre as quais os poderes do Estado não podem dispor, uma vez que se constituem no fundamento de legitimidade do próprio Estado.

Assim a garantia dos direitos fundamentais de liberdade e a implementação dos direitos fundamentais positivos se tornam um dever do Estado e a mesma legitimidade dos poderes constituídos. Sendo assim, não se trata de direitos apenas proclamados, mas de direitos efetivamente protegidos num ordenamento jurídico (BOBBIO, 1996; CADEMARTORI, 1999). No Estado de Direito há, portanto, uma inversão na relação entre Estado e cidadãos:

da prioridade dos deveres dos súditos em relação à autoridade política (e religiosa) passou-se, no decorrer da formação do Estado Moderno, à prioridade dos direitos do cidadão e ao dever da autoridade pública de reconhecê-los, tutelá-los e, enfim, também de promovê-los (ZOLO, 2006, p.32).

Às crianças presas são negados os direitos essenciais, como o direito à liberdade, à dignidade, à igualdade. O artigo 1º da Declaração Universal dos Diretos Humanos de 1948 afirma que "todos as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Deve ser excluída, portanto, toda discriminação fundada em diferenças específicas como aquelas entre adultos e crianças, indivíduos nascidos em cárcere ou em casa. O artigo 2º da mesma Declaração explicita e aprofunda mais essa igualdade de direitos, afirmando que "toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição"

O direito à liberdade é um direito primário e como tal, não é sujeito a nenhuma limitação, é um direito absoluto e como direito primário é includente, isto é, todas as pessoas devem gozá-lo.

A partir dessa perspectiva o aprisionamento de crianças fere profundamente o conceito de Estado de Direito que tem como sua essência e prioridade a defesa dos "direitos do homem" e o dever de garantia dos direitos fundamentais. Nasce, assim, uma contradição entre os direitos das crianças e a situação do aprisionamento de filhos de mães condenadas em regime fechado. Concluindo-se que uma criança do direito à liberdade e à saúde torna-se uma grave violação dos direitos fundamentais e do direito à cidadania.

Outro aspecto a ser considerado é o fato de que o sistema penitenciário é percebido como algo "natural" e como a única alternativa à prática do delito. Em conseqüência, o aprisionamento de crianças é também aceito como inevitável e como única alternativa uma vez que a mãe se encontra presa. Nasce, portanto, a necessidade de refletir criticamente sobre o fenômeno do mesmo sistema prisional.

O fato de achar natural que a criança fique retida devido à condenação da mãe, dando a sensação de inevitabilidade do aprisionamento de recém-nascidos, canaliza as ações unicamente para a solução de problemas práticos (existência de berçários, lugar para amamentar, creche etc.) como se as instituições penais fossem algo de natural, e sua legitimidade não fosse fundamentada em convenções sociais, como afirma Santoro:

aceitando como um dado de fato a estrutura e a racionalidade das práticas penais existentes elimina-se a necessidade de refletir criticamente sobre os fundamentos do sistema punitivo. Uma vez aceita a indiada delito-castigo como algo de "natural", não resta nada senão garantir que o castigo não viole o "sentido de humanidade", e não seja "desumano" (SANTORO, 2004, p. 4).

Em geral as leis e as convenções objetivam a melhorar o ambiente das prisões, exigindo espaços reservados e creches para os bebês, visando à humanização da permanência das crianças dentro da prisão. Não é contestado o fato de que uma criança esteja presa atrás das grades, isto é visto como algo "natural" e não como uma violação dos direitos fundamentais e da cidadania da criança e contrário ao conceito de Estado de Direitos.

A esse respeito é oportuno se reportar à declaração de um responsável da organização internacional que presta sua solidariedade no campo da saúde, Médicos Sem Fronteiras:

na política internacional [...] a ação humanitária conquistou uma forma de quase monopólio da moral e da ação internacional. È essa situação que nos queremos denunciar. A intervenção humanitária representa a expressão melhor da humanidade, se está junto à ação política e à justiça. Na falta dessas, a ação humanitária é destinada à falência e acaba, sobretudo no caso de grandes crises que encontra ressonância nos media, para ser um instrumento da política internacional, do artifício que tranqüiliza as consciências (MARCON, 2002, p.62, tradução livre).

Nesse sentido, o ECA, superando a visão preconceituosa, repressiva e assistencialista do Código do Menor, coloca como fundamento a "doutrina da proteção integral" para todas as crianças e institui uma nova concepção do status da criança como sujeito e não como objeto de direitos.

Entretanto, as crianças em situação de encarceramento se tornam objeto de caridade. A política é a verdadeira ausente. As organizações não-governamentais são convidadas a não se envolverem em política. Nasce, assim, a necessidade de reafirmar, embora pareça redundante, que as crianças nascidas e que vivem atrás das grades se encontram numa situação especial, debaixo da responsabilidade direta do Estado que, nesse caso, se constitui como o maior violador dos direitos de quem tem o dever de proteger.

Para pensar ao criar alternativas vamos nos apoiar no estudo realizado pela Representação Quaker junto a ONU que coloca alguns questionamentos que podem ser motivo de reflexão e objeto de propostas concretas para a realização de políticas públicas para as crianças que vivem com as mães atrás das grades nas penitenciárias feminina do Brasil. Apresentam-se, aqui, numa transcrição livre, algumas das perguntas que esse estudo sugere a respeito dessa problemática:

Qual o impacto que o aprisionamento causa na vida da criança? Como preparar a mãe e os familiares que vão receber o recém-nascido após a permanência na prisão? Há alternativas, sem a privação da liberdade, que dêem apoio à maternidade e ao desenvolvimento da criança? Quais são os direitos de uma criança quando a mãe está presa ou detenta? Em relação aos diretos da criança, quem é o responsável para garantir que se respeitem e como conseguir isto? Em que etapa o sistema de justiça compartilha a responsabilidade de garantir o acatamento dos diretos da criança ao considerar as questões de detenção ou encarceramento da mãe? Existe a obrigatoriedade de investigar se a mãe tem filhos antes de estabelecer uma detenção preventiva ou no momento de ditar a sentença? Há controle das obrigações e das medidas a serem tomadas para garantir a proteção dos direitos das crianças? (The Quaker United Nations Office, 2005).

As modalidades punitivas das sociedades modernas colocaram a problemática do castigo no quadro das relações entre o indivíduo e a autoridade política. Ao analisar as modalidades punitivas modernas, Santoro (2004) caracterizou a corrente revisionista dos anos setenta de "hermenêutica do suspeito", pois, por baixo dos ideais reformistas e dos valores éticos, estão os interesses econômicos, a vontade de poder e as culturas sociais.

Para tanto, é necessário refletir-se que a população interna da Penitenciária Feminina de Salvador e do Brasil em geral, é constituída de mulheres que pertencem às camadas mais pobres da população, àquelas que Darcy Ribeiro (1997) identifica como as classes oprimidas, marginalizadas, formadas principalmente de negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. Cidadãos que fazem parte da comunidade política nacional apenas nominalmente e "na prática ignoram seus direitos civis ou os têm sistematicamente desrespeitados por outros cidadãos, pelo governo, pela polícia e não se sentem protegidos pela sociedade e pelas leis" (CARVALHO, 2008, p. 216).

É significativa, a esse respeito, a visão social que preso não tem direito e que "filho de marginal é marginal também". Embora o preso seja reconhecido, no plano jurídico, como portador de direitos e obrigações, a sociedade ainda o enxerga como uma pessoa destituída de qualquer direito. Nascem, assim, os estereótipos e os estigmas das crianças filhas e filhos de presas. O depoimento de tortura de uma presa revela claramente esta atitude: "Um dos torturadores falou, me lembro ainda como fosse hoje, falou assim: - tá grávida, né? mata o filho dela que vai ser outro marginalzinho".

A caracterização da população carcerária como pertencente aos estratos mais humildes da sociedade tem sua influência na aplicação das penas. Pois a aplicação das penas tem relação direta com a classe social. Como bem demonstraram Rusche e Kirchheimer (1978) ao estudar em que medida o desenvolvimento dos instrumentos punitivos é determinado pelas relações sociais fundamentais. Há uma distinção de classe na lei penal com penas diferentes para patrões e escravos, para nobres e plebeus. A pena muda de acordo com a distinção de classe, ela está fundamentada na classe social do réu e da parte lesionada. Mais as massas se tornam miseráveis, mais severas e arbitrárias se faziam as penas com a finalidade de afastá-las do delito. A crueldade em si mesma é um fenômeno social que pode ser compreendido somente a partir das relações sociais dominantes em um período determinado (RUSCHE- KIRCHHEIMER, 1978). Vem daí que o encarceramento de crianças pobres, negras e/ou estrangeiras só é possível numa sociedade discriminadora e profundamente estratificada.

Considerações finais

Esta breve análise tinha como objetivo dar visibilidade ao problema específico das crianças aprisionadas sob a perspectiva dos Direitos Humanos e tendo como pontos de referência a documentação relativa aos direitos das crianças, o conceito de Estado de Direito e uma reflexão sobre a "naturalização" das penas de privação de liberdade.

O estudo revelou a pouca atenção que é dada às crianças que vivem no cárcere com suas mães. O cárcere não é um lugar adequado para as crianças e as mães grávidas ou lactantes. Para o problema, não há soluções fáceis, mas a complexidade dessa situação não pode ser tomada como desculpa para deixar de proteger os direitos das crianças e das mães na prisão.

A Lei de Execução Penal brasileira que determina a construção de berçários e de um lugar reservado para as mães privada de liberdade não é uma resposta aos direitos estabelecidos na Constituição brasileira, ao conceito de criança sujeito de direito do Estatuto da Criança e do Adolescente, nem às determinações, ao nível internacional, da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente. Não podem ser chamadas medidas humanitárias, pois ferem diretamente os direitos do ser humano. São medidas paliativas, que aliviam o sofrimento, mas mantém a condição de preso para toda criança que nasce no cárcere. A ação humanitária pode representar a expressão melhor da humanidade se estiver junto à ação política, à justiça e à defesa dos direitos.

Assegurar à criança o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento são princípios que constituem, no dizer de Hannah Arendt, o direito a ter direito. Todavia, a essência de todo direito humano não consiste somente em seu reconhecimento, mas também em sua efetivação prática, como bem acentua Bobbio:

a linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enganadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e protegido (BOBBIO, 1992, p. 10).

Refletir criticamente sobre a existência e relevância social dessa problemática nos permitirá a construção de políticas públicas que considerem a criança, presa, sujeito de direitos, com absoluta prioridade e tenham como fundamento a defesa dos direitos fundamentais que, num Estado de Direito, exigem a atuação direta e efetiva do Poder Público.

Referências bibliográficas

  • BRASIL., Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado 1988.
  • BRASIL., Lei de Execução Pena, Lei 7.210 de julho de 1984.
  • BRASIL., Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90, Porto Alegre, UNICEF 1995.
  • CARVALHO, José Murilo de., Cidadania no Brasil: o longo caminho, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 2004.
  • CENDHEC, SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS., Um caminho para a proteção integral, Recife, Cendhec 1999.
  • The Quaker United Nations Office (QUNO).
  • MARCON, J., Le ambiguitá degli aiuti umanitari, Milano, Feltrinelli 2002
  • PIOVESAN, F., Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, São Paulo, Max Limonad 2002
  • RUSCHE, G.,-KIRSCHHEIMER, O., Punição e estrutura social, Rio de Janeiro, Freitas Bastos 1999
  • SANTA RITA, P. R., Mães e crianças atrás das grades: em questão o princípio da dignidade da pessoa humana, Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília - UnB 2005.
  • SANTORO, E., Carcere e Societá Liberale, Torino, G. Giappichelli editore 2004.
  • ZOLO, D - COSTA, P. (a cura di), O Estado de Direito: história, teoria, crítica, São Paulo, Martins Fontes 2006.

Notas

1. O Complexo Penitenciário do Estado da Bahia é formado por quatro unidades carcerárias: a Penitenciária Lemos de Brito, destinada à custódia de presos definitivos do gênero masculino em regime fechado; o Conjunto Penal Feminino; o Presídio de Salvador e o Centro de Observação Penal; a esses se acrescenta a Colônia Agrícola Lafayete Coutinho e a Casa de Albergados e Egressos situadas fora do Complexo Penitenciário. Na Bahia, além do Conjunto Penal Feminino em Salvador, existem áreas destinadas à reclusão de mulheres nos Conjuntos Penais de Feira de Santana e Jequié.

2. Para aprofundar a problemática da mulher e das crianças aprisionadas é interessante ler o documento de trabalho de Florizelle O´Connor: Administración de Justicia, Estado de Derecho y Democracia, 2004.

3. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 227, estabelece que: "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressa".

4. Vinicius de Moraes, poeta e cantor brasileiro, interpretou magistralmente sentimentos e fantasias de crianças. A partir do poema de sua autoria, elaboramos a paródia a seguir, ilustrativa da situação das crianças que vivem atrás das grades:

Era uma casa muito engraçada, não tinha berço, não tinha nada.
Ninguém podia ficar doente, porque pediatra era ausente.
Ninguém podia fazer pipi, porque fraldas não tinham ali.
Ninguém podia dormir tranqüilo, porque mosquito havia naquilo.
Ninguém podia nem chorar, porque mandavam logo parar.
Ninguém podia nem respirar porque maconha estava no ar.
Ninguém podia nascer naquela, porque por certo tinha seqüela.
Ninguém parou para pensar, e os homens os jogaram neste lugar.
Cidadania, justiça, direitos humanos, gritavam todos por debaixo dos panos.
Mas era feita com pouco esmero, na rua dos bobos, numero zero.