2008

A. Silveira, Cooperação e compromisso constitucional nos Estados compostos. Estudo sobre a teoria do federalismo e a organização jurídica dos sistemas federativos, Almedina, Coimbra 2007, ISBN 13 978-972-40-3010-4

Na literatura académica é muito raro encontrar trabalhos que combinem o rigor do método construtivo com o entusiasmo da pesquisa. Combinação virtuosa que se transmite ao leitor sob a forma do prazer da leitura. O vasto e profundo estudo de Alessandra Silveira sobre a teoria e prática do federalismo preenche todos os requisitos para ser uma dessas escassas obras que brilham em seu redor, animadas que são de uma inconfundível luz própria. Seduz pela generosidade da inteligência. Esclarece pela sólida erudição. Surpreende pela ágil elegância das soluções para os difíceis problemas que não teme enfrentar.

Numa observação meramente estrutural, esta obra divide-se em duas partes. Uma primeira parte é dedicada ao estudo do federalismo brasileiro. Sua história evolutiva, seus lugares problemáticos crónicos, suas tentativas e erros de crescimento, expressos em reformas constitucionais, ou acórdãos da magistratura judicial suprema. Mas quando muitos autores se dariam por satisfeitos, Alessandra Silveira lança-se ao seu empreendimento maior: tentar compreender o que é essencial no fenómeno do federalismo, no seu código genético. É nessa ambiciosa segunda parte que esta jovem docente da Universidade do Minho se eleva a uma altura científica e especulativa, invulgar na literatura jurídica em geral, e não apenas naquela em língua portuguesa.

O caminho que Alessandra Silveira abre ao leitor é o de uma teoria universal do federalismo, que sem escamotear as diferenças das suas manifestações e configurações concretas, separadas pela história e pela geografia, nos mostra, ao mesmo tempo, a presença em todas as suas manifestações de princípios de alcance universal comuns, a saber: a tensão entre lealdade ao interesse comum e afirmação do interesse próprio; a interacção entre a primazia do direito federal e o imperativo da subsidiariedade; a oscilação entre forças centrípetas e centrífugas; a luta entre as pulsões da unidade e as da autonomia.

A autora alimenta as suas teses no apoio de uma erudição meditada e originalmente reflectida. Oferece-nos um conhecimento detalhado e comparativo do direito positivo de países tão diferentes quanto o Brasil, os Estados Unidos, a Alemanha, a Itália, ou o complexo direito europeu comunitário. Ao mesmo tempo revela um extraordinário domínio dos conceitos e subtilezas conceptuais de autores clássicos, como Althusius ou Madison, ou de contemporâneos como Rawls e Habermas.

Estamos perante um grande livro, que transcende em muito todas as exigências da ciência jurídica. A sua hipótese condutora central é a de que estamos a viver uma metamorfose na experiência e na teoria do Estado. Estamos a transitar, mesmo que muitas vezes aos tropeções, de uma era em que o Estado se vislumbra a si próprio sob o foco da soberania, para uma nova era (ainda mais da ordem dos factos do que da razão) em que as tarefas do Estado, desde logo o salus populi que é o seu mister principal, só poderão ser realizados recorrendo a uma força muito mais originária que é a da vontade firme e disciplinada da cooperação entre unidades políticas (eu acrescentaria: da «cooperação compulsiva» entre essas unidades face aos desafios de vida ou morte em que estamos embarcados).

Uma leitura proveitosa para estudantes e professores das ciências humanas em geral. Diria ainda: uma leitura obrigatória para aqueles cidadãos que entendem as suas responsabilidades políticas e públicas como uma obrigação e uma responsabilidade para com os seus concidadãos, e por isso se querem elevar da intriga obscura e labiríntica até às complexas alturas da actual (des) ordem política nacional e internacional, onde os nossos destinos individuais se jogam e decidem.

Viriato Soromenho-Marques